Escrevi o texto abaixo para a homenagem feita ao ator e
diretor Reginaldo Faria pela Mostra de Cinema de Ouro Preto de 2012. Por conta
de minha pesquisa sobre as adaptações para o cinema da obra de Plínio Marcos,
eu tinha um interesse particular por Reginaldo e esse texto, publicado no
catálogo da mostra, foi uma oportunidade de exprimir algumas das minhas
impressões sobre ele.
À direita, entregando o troféu a Reginaldo no CineOP 2012 |
Reginaldo Faria, um homem de
cinema.
Até o final dos anos 1970, apesar
de já ter participado de algumas novelas ainda nos primórdios da TV Globo,
Reginaldo Faria era essencialmente reconhecido como um homem de cinema. Astro
de diversos filmes e diretor de sucessos de bilheteria, dos três irmãos sócios da
R. F. Farias (Riva, Roberto e Reginaldo) ele era provavelmente o mais conhecido
do grande público.
Após atuar em grandes êxitos de
audiência na TV Globo, como Dancing Days (escrita por Gilberto Braga, 1978-9) e
Pai Herói (Janete Clair, 1979), Reginaldo Faria passou as duas décadas seguintes
participando de praticamente uma telenovela por ano. Como muitos de sua
geração, incluindo seu irmão Roberto, em meio à longa crise do cinema
brasileiro a partir dos anos 1980, Reginaldo optou por se dedicar principalmente
à televisão.
Assim, trabalhando com os
principais novelistas da TV Globo, Reginaldo é hoje muito lembrado por várias
gerações de espectadores como intérprete de papéis memoráveis na emissora: o hilário
estilista Jacques Leclair em Ti ti ti (Cassiano Gabus Mendes, 1985-6); o vilão
Marco Aurélio que termina Vale tudo (Gilberto Braga, 1988-9) fugindo de
helicóptero e dando uma “banana” para o Brasil; o viúvo Capitão Jonas, pai das
crianças que enfrentam os vampiros de Vamp (Antonio Calmon, 1991-2); Leônidas
Ferraz, rico empresário e pai dos gêmeos de O clone (Glória Perez, 2001-2),
entre muitos outros.
Reginaldo não deixou de atuar
esporadicamente no cinema – fosse no papel marcante de homem maduro seduzido
por uma ninfeta em A menina do lado (dir. Alberto Salvá, 1987) ou interpretando
o célebre personagem de Machado de Assis, Brás Cubas, em Memórias póstumas (dir.
André Klotzel, 2001) –, retornando mais recentemente à direção com O carteiro,
filmado em 2010.
Entre o cinema e a televisão,
tudo começou com música, pois Reginaldo inicialmente sonhava viver de seu
violão. Aos 19 anos deixou a Nova Friburgo natal em direção ao Rio de Janeiro,
onde seu irmão mais velho tinha ido tentar a sorte no cinema. Na cola de
Roberto Farias, prestigiado assistente de direção e, depois, diretor, Reginaldo
conseguiu seus primeiros trabalhos, atrás e à frente das câmeras,
essencialmente em chanchadas como No mundo da lua (1958).
Acompanhando o irmão Roberto, o
ator também fez a passagem das comédias para os filmes sérios, protagonizando o
policial Cidade ameaçada (1959), no qual assumiu o papel do bandido Passarinho,
perdido entre a carreira no crime com seus comparsas e a vida em família junto
à mulher operária.
Sua “pinta” de galã, que o
habilitava a líder de quadrilha ou alvo do amor da mocinha, já seria tratada de
forma mais complexa em Assalto ao trem pagador (1962). Como no filme anterior, ele
era novamente um bandido, mas, por seus cabelos loiros e olhos azuis, se distanciava
dos demais membros da gangue de negros ou brancos pobres e favelados, como Átila
Iório, que, em seguida, interpretaria o miserável Fabiano de Vidas secas (dir.
Nelson Pereira dos Santos, 1963). Achando que tinha se “dado bem”, gastava o
dinheiro do roubo com uma interesseira madame de Copacabana, tendo como
principal antagonista não a polícia, mas Tião Medonho (Eliezer Gomes), com quem
disputava a liderança da quadrilha. O embate verbal entre os dois personagens –
interpretados por um ator ainda iniciante e um estreante – é um dos pontos
altos de Assalto ao trem pagador, e Reginaldo, amarrado e preste a ser jogado
no mar, consegue dar aos fortes diálogos racistas a violência e o ódio que o
tornam, até hoje, impressionantes.
Nos anos 1960, Reginaldo
experimentaria vários papéis, sendo dirigido por diferentes cineastas – do
cinemanovista Paulo Cesar Saraceni ao paulista Flávio Tambellini –, mas mantendo
uma frutífera parceria com o irmão Roberto. No subestimado Selva Trágica (1963),
passado nas fazendas de mate da fronteira entre o Brasil e Paraguai, o ator tem
uma interpretação intensa, de extrema dedicação e desgaste físico. A
angustiante cena em que ele é obrigado, sob as ordens do cruel “feitor”, a
erguer, nas costas, dezenas de quilos de folha mate, provavelmente influenciou
Glauber Rocha na famosa seqüência em que Geraldo Del Rey sobe o Monte Santo
carregando uma pedra na cabeça em Deus e o Diabo na terra do sol (1964).
Roberto também dirigiu seu irmão
em Toda donzela tem um pai que é uma fera (1966), comédia na qual Reginaldo
assumia o papel do playboy conquistador, mas com uma certa fraqueza... Seria
como o personagem do galã meio desajeitado – o jovem cuja felicidade é sempre
incompleta, típico do cinema da época – que ele protagonizaria o primeiro filme
que também dirigiu, Os paqueras (1969). Sinal de sua vocação e talento, o filme
em que estreou como cineasta se tornou um dos mais vistos no Brasil, entre
produções nacionais e estrangeiras, naquele ano!
Por conta do seu enorme sucesso
de público, que gerou inúmeras imitações e seguidores, Os paqueras foi
consagrado posteriormente como filme precursor da pornochanchada, um tipo de
comédia erótica que se desenvolveria muito mais na linha, por exemplo, do
escrachado Sete faces de um cafajeste (Jece Valadão, 1968). O fato é que, como
ator, Reginaldo se consagrou num tipo que outros jovens atores também
investiriam, como Carlo Mossy, Cecil Thiré ou Cláudio Cavalcanti. E, como
diretor, Reginaldo realmente seguiria no lucrativo filão de comédias picantes no
início dos anos 1970. Um dos melhores exemplos é Os machões (1972), uma hilária
comédia na qual Reginaldo, Flávio Migliaccio e um surpreendente Erasmo Carlos
são obrigados a se passar por “bonecas”. Sem o aspecto às vezes tosco e
grosseiro que iria caracterizar outras produções contemporâneas de tema
semelhante, o filme conquistou merecido sucesso popular.
Entretanto, diante do aumento da
concorrência (sobretudo das telenovelas) e da diminuição do nível de outros concorrentes
(especialmente da Boca do Lixo), as comédias dirigidas por Reginaldo iriam
mostrar, em meados da década de 1970, certo esgotamento. Nesse momento,
retirando da gaveta um argumento de Plínio Marcos que Roberto pretendera
dirigir ainda no final dos anos 1960, Reginaldo decidiu passar “do riso ao
compromisso” com o filme Barra pesada (1977). Retomando um autor (o mesmo de Navalha
na carne e Dois perdidos numa noite suja) e temática (violência e criminalidade
urbana) praticamente banidos do Brasil da ditadura e do milagre econômico,
Reginaldo fez uma obra de apelo popular, rara sensibilidade e extrema
contundência, permeada por aguda crítica social, direcionada, por exemplo, à
conivência entre a violência da polícia e a do tráfico de drogas.
Como outros filmes realizados naquele
momento de início de “abertura”, como A queda (Ruy Guerra, 1978), Reginaldo
dialogava com o passado anterior ao AI-5 e retratava um Rio de Janeiro de áreas
degradadas (Lapa e Ilha do Governador) ou “escondidas” por trás dos escombros
de obras faraônicas (o cais do porto durante a construção do viaduto da
perimetral). O curioso é que Barra Pesada, no qual Reginaldo faz apenas uma
pequena ponta como ator, foi lançado praticamente junto de Lúcio Flávio, o
passageiro da agonia (1978), protagonizado por ele mesmo, mas dirigido por
Hector Babenco. Logo após ser consagrado pela crítica e pelo público por esses
dois filmes, Reginaldo, apesar de ainda estrelar outro título de grande impacto
(Pra frente, Brasil, 1982) e dirigir mais uma produção (Agüenta coração, 1984),
iria se tornar uma presença muito mais constante na telinha que, cada vez mais,
passaria a estar presente na casa e na vida da maioria dos brasileiros.
Como dissemos no começo deste
texto, na televisão, como antes no cinema, Reginaldo daria continuidade a uma
carreira de grandes personagens. Um ator inquieto e talentoso, em uma busca constante
pelo desafio que seu trabalho lhe possibilita, o mais jovem dos três irmãos
Farias continua, até hoje, a nos surpreender, entreter e emocionar. O artista
revela-se mais maduro, mas com o mesmo entusiasmo juvenil pelo ofício.
Rafael de Luna Freire
Nenhum comentário:
Postar um comentário