sábado, 26 de abril de 2014

A conversão para o cinema sonoro no Brasil: artigos publicados

Na última terça-feira, participei de uma aula no curso "Estudos de som no cinema", do amigo Fernando Morais, na pós-graduação em Comunicação na UFF, discutindo dois artigos meus. Gostei tanto da conversa com os alunos que decidi colocar no blog algo do que eu comentei nesse encontro sobre a minha pesquisa.
O trabalho que venho desenvolvendo há alguns anos sobre a passagem para o cinema sonoro no Brasil começou durante a pesquisa para minha tese de doutorado, que se concentrava, em grande parte, nas décadas de 1920 e 1930. Analisando o gênero policial através de sua recepção, surgiram algumas questões que se relacionavam com a chegada do cinema sonoro no Brasil. Ao ler livros sobre o gênero "gangster film" em que os autores norte-americanos destacavam a importância para o gênero dos sotaques dos protagonistas ítalo-americanos - Tony Camonte (Paul Muni, em Scarface) ou Ceasar Enrico Bandello (Edward G. Robinson, em Alma no lodo) - eu não conseguia deixar de pensar se isso tinha qualquer relevância para a maioria dos espectadores brasileiros dos anos 1930. Ou ainda, como deixar de refletir sobre o fato de que muitos dos primeiros filmes de mistério sonoros, como os do personagem Philo Vance de S. S. Van Dine, havia sido exibidos no Brasil em versões silenciosas. Ou seja, pensando em como a recepção ajudava a moldar o reconhecimento do gênero (a partir de filmes de diferentes nacionalidades), a questão da passagem para o cinema sonoro não podia ser ignorada.
Assim, ainda durante a minha pesquisa para o doutorado comecei a pesquisar mais sobre o assunto e, em 2010, ao escrever sob encomenda para o catálogo da Mostra de Cinema de Ouro Preto o artigo Algumas considerações sobre o cinema brasileiro da década de 1930, mencionei algumas das minhas primeiras conclusões sobre a chegada do cinema sonoro em nosso país. Como referência a essas informações, eu citei: "FREIRE, Rafael de Luna. A passagem para o cinema sonoro no Brasil. Pesquisa inédita". 
Curiosamente, isso chamou a atenção do colega Carlos Roberto de Souza, que coincidentemente estava se dedicando ao mesmo assunto naquele momento. Carlos chegou a me escrever perguntando que pesquisa era essa e eu fui franco dizendo que era uma pesquisa inédita pois eu ainda não tinha escrito nada definitivo a respeito.
Desse modo, somente após defender minha tese em 2011, comecei a pensar mais sobre o assunto, inclusive sistematizando informações que eu tinha levantado durante a pesquisa do doutorado sem ter utilizado na versão final da tese. O primeiro artigo que publiquei após minha defesa era justamente sobre um tema subalterno, mas que tinha me interessado: a dublagem. O artigo Versão brasileira: contribuições para uma história da dublagem cinematográfica no Brasil nas décadas de 1930 e 1940 se concentrava justamente nas duas décadas centrais para a minha tese. A questão da dublagem era importante também devido à atuação da Sonofilms, de Alberto Byington Júnior, que tinha me interessado de perto devido à minha investigação sobre a chanchada. Embora esse artigo não tratasse diretamente da conversão para o som, isso era obviamente tratado ao mencionar as primeiras experiências de filmes estrangeiros dublados em português.
Livre da pressão do doutorado, comecei a pesquisar especificamente o tema da passagem para o cinema sonoro, inclusive já tendo contato com os trabalhos do próprio Carlos Roberto e de outros autores. Um desses primeiros momentos de interlocução foi no Encontro da Socine de 2011, na UFRJ, quando apresentei essa pesquisa publicamente pela primeira vez.
Inicialmente, minha pesquisa se voltou para entender a conversão do circuito exibidor brasileiro ao cinema sonoro. Afinal, que adiantava Hollywood estar produzindo os talkies se os cinemas brasileiros não pudessem exibi-los? Consegui levantar tanto material nesse início que acabei dividindo meu texto em dois artigos. O primeiro, A febre dos sincronizados: os primeiros meses da exibição de filmes sonoros no Rio e em São Paulo em 1929, foi publicado em 2012 no livro da Socine com as comunicações do encontro do ano anterior.
O segundo artigo, publicado também em 2012, tratava de um aspecto particular desse momento de "febre dos sincronizados" em 1929, sendo intitulado Truste, músicos e vitrolas: A tentativa de monopólio da Western Electric na chegada do cinema sonoro ao Brasil e seus desdobramentos.
Naquele mesmo ano de 2012, publiquei também um artigo na revista não acadêmica Filme Cultura, do qual eu gosto muito. Em Primeiras afinidades: Algumas considerações sobre a teatralidade do cinema silencioso no Brasil, explorava algumas questões relacionadas ao som no cinema antes do cinema sonoro que continuo achando instigantes e merecendo maior aprofundamento.
No ano seguinte, publiquei novamente na revista Filme Cultura, mas agora um artigo mais específico sobre a conversão tecnológica do circuito exibidor brasileiro, tocando numa questão que julgo fundamental: o desenvolvimento dos projetores sonoros nacionais. Eu ainda pretendo aprofundar mais esse assunto, mas até agora só tratei mais detidamente dele em Cinetom e outros tons: a adaptação do circuito exibidor brasileiro ao cinema sonoro.
A essa altura, já tinha ficado mais claro para mim que minha abordagem neste projeto de pesquisa seria analisar a conversão para o cinema sonoro a partir de três eixos independentes, mas interligados: a exibição, a distribuição e a produção. Apesar de focado numa figura em particular, no artigo Da geração de eletricidade aos divertimentos elétricos: a trajetória empresarial de Alberto Byington Jr. antes da produção de filmes, eu comecei a tentar articular as ligações entre a exibição (através da fabricação do projetor nacional Fonocinex) e a produção (a realização do filme Coisas nossas, em 1931).
Nesse momento, minha pesquisa concentrou-se na produção, especialmente a partir da minha descoberta de três registros sonoros até então desconhecidos do filme Acabaram-se os otários. Apresentei esse "achado" pela primeira vez no Encontro da Socine de 2012, no Senac, na comunicação transformada no texto publicado nos anais do evento no ano seguinte (Acabaram-se os otários: cinema e disco na chegada do filme sonoro). Esse mesmo texto ganhou uma versão revisada e refinada publicada com o mesmo título no livro da Socine (Stephanie Dennison. (Org.). World cinema: As novas cartografias do cinema mundial. 1 ed. Campinas: Papirus, 2013, v. 1, p. 105-11).
Se nesse texto eu me concentrei nos registros sonoros inéditos do filme de Luiz de Barros, eu escrevi um outro artigo para contextualizar melhor como o filme foi feito e exibido em 1929, explicando melhor o que seria o tal sistema Synchrocinex. O resultado foi o artigo Acabaram-se os otários: compreendendo o primeiro longa-metragem sonoro, que deve ser lido como um complemento indispensável do outro texto.
Na verdade, quase toda a minha produção desse projeto de pesquisa tem obedecido à mesma lógica. Eu começo escrevendo sobre uma questão e, quando vou ver, o texto já está longo demais para um único artigo e acabo dividindo-o em dois. Assim, mais recentemente, comecei a organizar um texto sobre a conversão em escala nacional - muito influenciado pela escrita do livro "Cinematographo em Nictheroy: história das salas de cinema de Niterói" - e este acabou virando dois. Destes dois, apenas o primeiro já foi publicado: A conversão para o cinema sonoro e o mercado exibidor brasileiro na década de 1930. A "segunda parte" deste artigo já foi submetida para publicação e ainda estou aguardando o resultado.
Enquanto isso, dois outros textos já estão praticamente prontos. Um se dedica ao eixo sobre o qual menos produzi até agora, que é a distribuição. Este artigo aborda a introdução e consolidação da legendagem como procedimento padrão de distribuição de filmes falados em idioma estrangeiro no Brasil. Este será o tema também de minha comunicação no Encontro da Socine deste ano.
O outro artigo retoma o tema do meu primeiro texto, a dublagem. Na verdade, era uma parte do primeiro artigo que acabou ficando de fora (novamente por limitações da extensão do texto) em que abordo comparativamente a dublagem no cinema e na televisão brasileiras.