Pensando nas possíveis relações entre cinema e
publicidade, dois comerciais da mais recente campanha da cerveja Bohemia me
chamaram a atenção. No primeiro, vários idosos se reúnem festivamente na
Cervejaria Bohemia, em Petrópolis, uma espécie de museu da cerveja. O caráter
histórico do local é associado ao da Bohemia, com seus 150 anos de fabricação.
Destoando em idade de todos os demais presentes, um jovem diz à roda dos que elogiam a cerveja e a cervejaria:
_O
próximo passo é colocar umas mulheres gostosas no nosso comercial.
_Como
assim?, espanta-se um velhinho baixinho à sua direita.
_A
propaganda das outras cervejas está mais jovem que a nossa,
diz.
_Ótimo.
Quem gosta de propaganda, assiste a deles. Quem gosta de cerveja, bebe a nossa!,
responde um senhor com tom de seriedade à sua esquerda.
_CHUPA!,
arremata o primeiro velhinho.
***
O segundo comercial se passa no mesmo cenário, no
qual um velhinho diz:
_140
anos trabalhando aqui, ainda fico abismado como a Bohemia é gostosa.
_Falando
em gostosa, vocês não querem fazer um comercial com mulher gostosa, não é?,
pergunta o mesmo personagem jovem do comercial anterior.
_NÃO!,
concordam os três velhinhos à sua volta.
_O
que a gente faz então para deixar a nossa propaganda mais jovem?,
indaga o rapaz.
_Você
pode fazer o que quiser, só não mexe com a cerveja,
diz o mesmo velhinho mais sério do comercial anterior.
_E
nem com Dona Iolanda, diz um velhinho de visual antiquado,
de boina e gravata borboleta. Logo há um insert de uma sorridente senhora igualmente
vestida como as velhinhas de antigamente, com um laço enorme no pescoço,
cabelos totalmente grisalhos, e brincos e colar de pérolas.
A imagem retorna rapidamente para a roda de homens bebendo cerveja. Tô pegando..., completa maliciosamente o velhinho.
***
O mote desta campanha – “Bohemia, desde 1853, um
absurdo de cerveja” – busca valorizar a tradição associada à marca. Esta
tradição é representada pelo espaço físico (museu) e pelas pessoas presentes
(velhinhos), que atestariam a qualidade da cerveja.
A essa qualidade comprovada pela tradição e
experiência, alia-se a figura do jovem rapaz que se preocupa com o apelo da marca
junto aos da sua idade. Portanto, ele sugere que a Bohemia faça propaganda como
as demais cervejas fazem: com mulher gostosa.
Entretanto, as vozes da experiência não tem a mesma
preocupação que ele. Para os velhinhos, a única coisa importante é o sabor da
cerveja – o verdadeiro “patrimônio” da Bohemia.
É posto o conflito central deste comercial
metalinguístico, uma publicidade que discute a publicidade. O jovem está
preocupado que a propaganda da cerveja atinja efetivamente o seu público (como vender o produto para os jovens), enquanto os mais velhos se
importam apenas com a qualidade tradicional do produto (eles não precisam desse
tipo de estímulo pois conhecem o verdadeiro valor da marca).
Com a espantosa economia narrativa que caracteriza
os comerciais, o conflito é posto e imediatamente solucionado simbolicamente.
Não surgem as mulheres gostosas, mas um outro elemento chave das propagandas de
cerveja marca presença. Afinal, em cada comercial um dos velhinhos age, ao
final, exatamente como agem os jovens rapazes nas propagandas de cerveja. Isto é, fazendo
piadinhas e apelando para gírias, jargões ou expressões espertinhas, sacanas e
joviais, todas de conotação sexual, relacionadas à “pegação” da mulher ("tô pegando") ou à
“zoação” do colega ("chupa!"). A imagem da "gostosa" é negada – a ironia está no mesmo
tipo de objetivação do corpo feminino, mas com um idosa e não uma “gostosa”
como alvo do olhar de cobiça. Por outro lado, a linguagem dos homens jovens infiltra-se
na boca improvável dos mais velhos.
No final, o comercial da Bohemia, apesar da anunciada
e questionada ausência de gostosas (na imagem, mas não nos diálogos), alinha-se aos demais comerciais de cerveja. Os velhinhos falam como os
rapazes dos comerciais de cerveja e a velhinha é filmada como são filmadas as
gostosas desses mesmos comerciais. A assumida diferença é ironizada com o inesperado
alinhamento.
O gênero comercial de cerveja
O gênero comercial de cerveja
Um dos sinais mais evidentes da consolidação de um
gênero é a paródia de suas características. Nesse sentido, o comercial da
Bohemia é sintomático da ampla percepção social de fórmulas e regras muito claras a
respeito do que constitui, para os espectadores e para os produtores dos
comerciais, um típico “comercial de cerveja”.
Para usar a terminologia genérica do
teórico Rick Altman, são claramente identificados os elementos semânticos desse
gênero: personagens recorrentes (as gostosas e a turma dos rapazes, todos jovens),
cenários usuais (praia, barzinho, churrasco) e ambientes (dias com sol de
verão). A paródia da Bohemia à princípio recusaria essa iconografia do gênero,
fazendo uso de personagens velhos reunidos à noite num museu-cervejaria.
Entretanto, a sintaxe do gênero (as regras que orientam a organização do
universo desses personagens aos quais a cerveja é associada), que é
inicialmente recusada, acaba incorporada posteriormente. Antes tarde do que nunca, surge no comercial da Bohemia o
tema da pegação da gostosa sempre associado à confraternização masculina. A
mulher jovem é definida por sua representação visual, enquanto o homem jovem é representado
por sua expressão verbal.
Para ampliar a discussão, outros comerciais podem
ser descritos para exemplificar características do gênero “comercial de
cerveja”. Um comercial da campanha CervejÃO, da Nova Schin,
por exemplo. Uma praia calma e relativamente vazia – portanto monótona e
sonolenta – é subitamente invadida por dirigível, lanchas, carros e helicópteros
trazendo “animação”: cerveja, homens e mulheres jovens. A praia é violentamente
invadida, mas ninguém resiste, pelo contrário, recebe abertamente a horda. A
música do Ultraje à Rigor (“Nós vamos invadir a sua praia”), transformada em
jingle, perde toda a sua agressividade bélica de enfrentamento. A animação é
violenta como uma blitzkrieg, mas é bem-vinda.
No gênero “comercial de cerveja” ninguém pode estar
triste, chateado ou entediado. É a ditadura da animação e a apologia do excesso de entusiasmo:
música agitada como a da garota-propaganda Ivete Sangalo, muita gente bonita
junta (pegão generalizada), e principalmente muitas e muitas garrafas de cerveja. Se o ambiente
estiver tranquilo (um pecado!), a cerveja certa muda tudo – como uma invasão
pelo céu, mar e terra.
Nessa mesma campanha da Nova Schin, outro comercial
brincava com a tendência do brasileiro usar o diminutivo, que apesar de poder
conotar carinho, não estaria condizente com essa ditadura do excesso que
acabamos de apontar. Num mesa de bar, uma roda de amigos reclama do colega falar em “cervejinha”. Ao invés de carrinho, joguinho, mulherzinha e
cervejinha, o certo é terminar tudo em “ão” – logo, carrão, jogão, mulherão e cervejÃO. A piada final acontece
com o surgimento de Carlinha – um mulherão – que seria, como todos os homens
exclamam em uníssono, uma “exceção”.
Esse tom tatibitate dos comerciais se liga à outra
característica do gênero: a tentativa desesperada dos publicitários de criarem
jargões que caíam no gosto do público-alvo, como cervejão, a boa, a número 1, a
redonda, gelaaada etc. Tenta-se pautar a linguagem dos consumidores,
alinhando-se à estratégia dos comerciais de cerveja de afirmar sua autoridade
sobre o campo – o do comportamento dos jovens que bebem cerveja.
Há, por exemplo, a campanha da Skol 360 dedicada a
definir o certo e o errado em cada um dos espaços geralmente associados à
cerveja, tentando ainda criar um jargão através de neologismos: Botecabilidade,
Feijucabilidade, churrascabilidade. O mesmo espírito perpassa a definição da
roda de samba no comercial “Quem puxa”, da Antártica, enquanto na campanha
“Redondo é rir da vida”, da Skol, a locução resume a lição: “churrasco é isso
aí”. Já na campanha “Bar x Casa”, o comercial da Brahma tenta provar, objetiva
e inabalavelmente, como é melhor assistir ao jogo de futebol num bar do que em
casa.
Os comerciais colocam-se como árbitros do gosto
de quem bebe cerveja.
Além da normatização e hierarquização dos espaços onde a cerveja é (deve ser) consumida, ocorre
o mesmo processo em relação a quem ocupa esses espaços, como nos comerciais da
Antártica em torno da “diretoria”. Na narração das peças publicitárias, a
diretoria é explicitamente definida como a “turma gente boa que sabe aproveitar
o melhor do bar”, ou mais genericamente apenas como “amigos em torno de uma boa
gelada”. Implicitamente, porém, a diretoria é sempre formada concretamente por
jovens bonitos de classe média, sendo as mulheres caracterizadas pela plástica
e os homens pela esperteza verbal, e todos pela animação e entusiasmo à toda prova.
Nessa representação da mulher como um mero objeto
definido apenas por sua plástica a ser vista pelo olhar masculino – nunca a
condição de existir para ser olhada (to-be-looked-at-ness) definida
por Laura Mulvey foi tão propícia –, a “gostosa” ganha a conotação de uma
entidade concreta, por mais abstrata que seja. Num comercial da Skol que
termina com os rapazes caindo da praia ao inferno, um dos personagens vai apontando
quem vai caindo no buraco misterioso que se abre na areia: “o turista, o
cachorrinho, a gostosa”. A gostosa equivale a um cachorrinho – tão simpático e
anônimo quanto um animal de estimação qualquer.
Essa objetivação é levada ao extremo na campanha “O bar da boa”, no qual a brincadeira é sempre a dúvida se a boa é a mulher, a cerveja ou as duas. Como a ironia está sempre presente nos comerciais (através sobretudo do cinismo de desautorizar, através da piada, o que acabou de se afirmar), as coisas não são tão simples. Afinal, o que é bom (ou boa) é a cerveja, a mulher, mas também a resposta espertinha que um dos homens dá – aprovação sacramentada pela boazuda Juliana Paes ao dizer a um dos personagens “Boa, rapaz!”. A qualidade do produto (a cerveja boa) é equiparada semanticamente à imagem da mulher (a boazuda) e à agilidade verbal do homem (bom de resposta).
Essa objetivação é levada ao extremo na campanha “O bar da boa”, no qual a brincadeira é sempre a dúvida se a boa é a mulher, a cerveja ou as duas. Como a ironia está sempre presente nos comerciais (através sobretudo do cinismo de desautorizar, através da piada, o que acabou de se afirmar), as coisas não são tão simples. Afinal, o que é bom (ou boa) é a cerveja, a mulher, mas também a resposta espertinha que um dos homens dá – aprovação sacramentada pela boazuda Juliana Paes ao dizer a um dos personagens “Boa, rapaz!”. A qualidade do produto (a cerveja boa) é equiparada semanticamente à imagem da mulher (a boazuda) e à agilidade verbal do homem (bom de resposta).
Nesse sentido, outra característica do
gênero é a alternância cômica entre o rapaz esperto e o otário. Na já citada campanha
“Bar da Boa”, os espertos parecem inicialmente otários ao se recusarem a passar
óleo nas costas de uma boazuda. Um “otário” (cujo caráter é representado pelas
roupas, postura ou, principalmente, por estar isolado da turma na mesa do bar,
pois os espertos só andam em bando) aceita o pedido e se delicia com o toque da mão na
pele macia do mulherão. A consequência, porém, é que ele fica com a mão oleosa e
não consegue pegar o copo de cerveja. A lição que os otários/espertos tentavam
passar é que é preciso escolher entre uma boa ou outra, a cerveja ou a mulher.
Mas o suposto otário se dá bem quando Juliana Paes (a verdadeira Boa) lhe dá
cerveja em sua boca. O esperto/otário/esperto conseguiu juntar uma boa com
outra.
O comercial da Skol litrão junta a normatização dos
gostos e posturas com a dinâmica esperto/otário. O tom da narração em voz over do comercial (a Voz de Deus, conforme Jean-Claude Bernardet, isto é, a Voz da Cerveja) é
explicitamente professoral: “Skol ensina como queimar o filme no churrasco”. Um
rapaz exemplifica todas as características tidas como erradas: usar sunga de crochê,
pochete, blazer de ombreira, óculos new age, e, por fim, ensaiar passos de
lambada com Beto Barbosa, que dá o ar de sua presença. O otário, que
desrespeita as regras, acerta no que importa: ele traz a cerveja correta. Desse
modo, ele é premiado com a “gostosa” pedindo para ser apresentada a ele, mesmo
mal vestido. A cerveja certa premia os otários com a gostosa.
Nesse comercial, como em outros, o padrão de beleza
masculino dos personagens é diferente do das mulheres. Enquanto às moças tem
sempre um físico perfeito, revelado pelas roupas justas e biquínis, os rapazes às
vezes revelam barriguinhas acentuadas, às vezes são baixinhos, ou mesmo
assumidamente feios.
Em outro comercial da Skol, um grupo de rapazes com
esse perfil chega a ironizar um surfista forte, alto e mais velho que não se
arrisca a entrar no mar para resgatar uma caixa de cervejas pela ameaça de
ataques de tubarão. Eles praticam a auto ironia: não somos bonitos (e
provavelmente não pegamos mulher), mas somos espertos (a cerveja não nos
escapa). Ao final, são atacados por tubarões, mas não tem problema pois
conseguiram as latinhas de Skol. Eles se dão mal, mas no final se dão bem. No
caso dos personagens masculinos, bonitos ou não, pegadores ou não, o importante
é manter o bom humor e a cerveja.
Desse modo, percebemos que a expressão chula dita pelo velhinho
do comercial da Bohemia (“chupa!”) poderia ter saída da boca de qualquer
personagem desse gênero. Feio ou bonito, velho ou moço, os homens precisam ser
animados e espertos - bons de copo e bons de papo.
Cerveja e cinema
Cerveja e cinema
Essa tentativa de compreensão das características do
gênero “comercial de cerveja” me interessa, entre outros motivos, para tentar
perceber relações genéricas intermidiáticas, por exemplo, entre o cinema e a
publicidade no Brasil. Um dos problemas da análise do cinema de gênero
brasileiro é a superficialidade nas recorrentes constatações da influência da
televisão e da publicidade sobre os filmes e vice-versa. Para além de uma
função muitas vezes apenas discriminatória, há pouco esforço em perceber como
se dá efetivamente essa relação.
Entretanto, parece muito promissor perceber a
semelhança de algumas comédias cinematográficas contemporâneas – que já podem
ser estudadas como um gênero: as novas comédias, neochanchadas ou globochanchadas –
com o gênero publicitário do comercial de cerveja, que consiste, sempre, em
comerciais cômicos. Um tipo de humor particular seria a primeira e mais óbvia
aproximação, mas não a única possível.
O universo masculino do bar, cujas conversas giram
sempre em torno dos polos “pegação” e “zoação”, e cujos personagens são
hierarquizados mais pela esperteza verbal que pela beleza física, é acentuado
num filme como E aí, comeu? (Felipe
Joffily, 2012). O próprio título parece tirado do diálogo dos muitos comerciais
de cerveja discutidos aqui.
A presença do falatório a respeito do sexo sem ele
jamais ser mostrado – um sexo mais verbal do que carnal, mais anunciado e
prometido do que concretizado –, tem sido outra característica comum a várias
dessas comédias, de Sexo, amor e traição
(Jorge Fernando, 2004) a Sexo com amor?
(Wolf Maya, 2008). Aparentemente ousados, mas pudicos como os
comerciais de cerveja – que, como os filmes, visam um público amplo que seria
restringido com a exibição de nudez –, o sexo quase sempre fica mais na fala do
que na prática.
Um universo exclusivamente de classe média, no qual
qualquer outro grupo social é simbolicamente excluído, está presente tanto nos
comerciais com churrascos regados a cerveja em casas com piscinas quanto em
filmes como Se eu fosse você (Daniel
Filho, 2006) e Se eu fosse você 2
(Daniel Filho, 2009)
A dinâmica do esperto/otário, numa atualização do
malandro que caracterizaria as chanchadas dos anos 1940 e 1950, aparece de
forma preponderante num filme como Vai
que dá certo (Maurício Farias, 2012).
Acredito, por fim, que essa discussão comparativa entre cinema e publicidade indique um viés de
análise muito promissor, mas de modo algum inédito. No clássico artigo “Teoria
da relatividade”, publicado em 1979 pelo crítico José Carlos Avellar, já era
proposto um exercício de pensar as pornochanchadas daquela década em relação
aos comerciais de cigarro que frequentemente eram exibidos nas salas de cinema
antes dos filmes. Hoje proibidos, as empresas de cigarros eram um dos mais importantes clientes do mercado de publicidade nessa época, como o são hoje empresas como a Ambev e concorrentes. Algumas características são marcantes: um certo ideal de felicidade representado por um ambiente de
luxo e ostentação, a mulher como mais um objeto a ser comprado e possuído pelo
macho, o homem maduro e bem sucedido simbolizado pelo uísque, carrão e iate, a
lógica do se dar bem por cima do outro (“eu gosto de levar vantagem em tudo” dizia
Gerson, o canhotinha de ouro, no comercial do cigarro Vila Rica). E essas características possivelmente poderiam possivelmente ser encontrados
tanto no cinema quanto na publicidade da época.
Em seu texto, Avellar descreveu um desses típicos comerciais, no caso, do cigarro
Benson & Hedges:
A câmera começa fechada no rosto de um homem. Ele bota um cigarro na boca e a imagem se abre. Aparece o jardim de uma casa luxuosa, num luminoso dia de sol, e o homem lá, sentado à beira da piscina, cigarro no canto da boca. Com a imagem já aberta, entram em cena quatro ou cinco mulheres, suavemente rebolantes, vestidas com um bem discreto maiozinho, se oferecendo ao mesmo tempo ao fumante na beira da piscina e ao espectador na sala de projeção. Sobre o plano do fumante cercado de mulheres surge a voz de um homem, que sussurra uma frase assim como que dá um bom conselho ou repete um pensamento mais do que conhecido: “Riqueza é como mulher, só não se preocupa quem já tem o bastante” (AVELLAR, 1979, p. 64).
Como podemos sugerir a partir do texto de Avellar, a análise do gênero “cinema de
cigarro” pode ser muito interessante para pensar o cinema dessa mesma década, particularmente a pornochanchada, que representava a maior parte da produção cinematográfica dos anos 1970.
Nesse sentido, um comercial dessa mesma época do Chanceller, cigarro fino e
elegante, é tão metalinguístico quanto o recente comercial da cerveja Bohemia,
fornecendo uma importante pista para pensarmos no que, nessa época, os
publicitários e os consumidores entendiam como as características desse gênero
de comercial (agora num viés de uma análise cultural dos gêneros, como propõe Jason
Mittell).
O comercial de Chanceller é simples e se passa
inteiramente numa sala elegantemente decorada com um rapaz sério e bem vestido
falando diretamente para a câmera, descrevendo as qualidades do cigarro. No
final do filmete, o garoto propaganda faz uma pergunta retórica expressamente dirigida
ao espectador: “Mas aí você diz: se
Chanceller é tão bom e tão fino, onde estão os carros maravilhosos, os aviões,
iates e helicópteros de todo comercial de cigarro. Aí eu respondo: e precisa?” (pode ser visto no youtube, nos 3'59'' desse vídeo)
A lógica é a mesma. Saturado o gênero, é preciso renovar, na dinâmica inerente ao gênero de repetição e inovação.
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A lógica é a mesma. Saturado o gênero, é preciso renovar, na dinâmica inerente ao gênero de repetição e inovação.
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Estas são apenas esboços de indagações e intuições
iniciais. De qualquer modo, pensando nessas possíveis relações entre cinema e
publicidade, será que é possível (ou interessante) pensar se os comerciais de
cigarro estiveram para as pornochanchadas nos anos 1970 como os comerciais de
cerveja estão hoje para as globochanchadas contemporâneas? Não sei a resposta,
mas creio que é uma pergunta que vale a pena ser feita.